terça-feira, 14 de abril de 2009

AS MULHERES DA GUERRA - PARTE 2

Desde antes de Cristo que se falava na existência de mulheres guerreiras, que viviam sós, isoladas dos homens com os quais se encontrariam para fins de acasalamento e, assim mesmo, ficando para criar apenas as crianças do sexo feminino. Eram as amazonas - do grego a (não, sem) e mazós (seios) - ou seja, as mulheres sem seios ou sem um dos seios, pois tais mulheres, quando ainda jovens, deviam queimar, retirar ou atrofiar o seio direito a fim de facilitar o manejo do arco.

Difundido mais diretamente pela mitologia grega, o mito das Amazonas antecede essa cultura, sendo encontradas referências em culturas pré-helênicas que viviam às margens do Mar Negro (Cítia) e no norte da África, onde o mito relata mulheres conquistadoras que combatiam duas a duas, unidas por cintos e juramentos, e teriam subjugado os númides, etíopeos e os atlantas africanos, americanos ou oceânicos. O nome "amazonas" denota também "ligação" (do grego ama = união + zona = cinto), sendo o cinto também identificado como guardião de seu voto de virgindade.

Na Ilíada de Homero e nos livros de Heródoto são apresentadas como numerosas, decididas e insignes com os cavalos; comunicavam-se através de curtos e rápidos diálogos, possuíam espírito aventureiro, fundaram cidades, eram exímias caçadoras e guerreiras.

Gregos e Amazonas tornar-se-iam inimigos históricos, como mostram alguns relatos: o rapto da princesa Antíope por Teseu, que levou-as a invadir a Ática; o combate entre a rainha Hipólita e Hércules, cujo nono trabalho foi obter o seu cinto de poder; Pentessiléia destacou-se entre suas companheiras enfrentando Ulisses na Guerra de Tróia, tendo sido morta por ele.

Na Antiguidade, como se o poder mágico feminino fosse considerado necessário à vitória, a inclusão de mulheres guerreiras nos exércitos não foi pouco usual, sendo encontradas referências à sua participação entre vários povos.

As Amazonas tiveram uma época de resplendor: ergueram, por toda parte, templos à Deusa Lua; países soberanos governados pelo sexo feminino... O Império das Amazonas se estendeu por grande parte da Europa e do Oriente Médio e até a Ásia. Quem exercia o sacerdócio, quem formava o Governo, quem fazia parte das forças armadas eram as mulheres.

Elas construíram uma poderosa civilização... E ninguém o pode negar. É certo e verdadeiro. Indubitavelmente, houve também algo de cruel. Os meninos de alguma forma eram incapacitados para que não pudessem triunfar: às vezes se lhes feria nas pernas, nos braços ou em outra parte do corpo, para que não pudessem mais tarde exercer o domínio.

Na guerra, as Amazonas se distinguiram extraordinariamente. Recordemos a Amazona Camila, da qual dá testemunho Virgílio, o poeta de Mântua. Obviamente, Virgílio, o grande mestre de Dante Alighieri, fala maravilhas sobre a Amazona Camila. Na guerra, ela foi extraordinária. Pode-se considerá-la como uma das melhores generais da época, muito similar a qualquer outro grande guerreiro do sexo masculino de outros tempos. Na ciência, as mulheres Amazonas sobressaíram-se triunfalmente. Seu império foi poderoso e se estendeu do ocidente ao oriente. Se, mais tarde, aquele império declinou, se decaiu, isto se deveu precisamente ao aspecto sexual. Certo grupo de Amazonas que chegaram à Grécia, e ainda que tenham se isolado por algum tempo, não será demasiado dizer-lhes que se uniram sexualmente a distintos jovens gregos e, desde então, mudaram seus costumes. Essas Amazonas, já mudadas, influíram pois sobre o restante das Amazonas que haviam estabelecido o império e, pouco a pouco, foram perdendo o poder, até que sobressaiu completamente o sexo masculino.

Já havia passado sua época. Nascida tal história com a mitologia grega, espalhou-se durante a Idade Média, chegando aos tempos modernos, tendo o tema inspirado muitos escritores e artistas. Tais amazonas reinariam na região da Capadócia, situada na Ásia Menor.

Plutarco, Hipócrates e Platão fazem referências aos costumes e às façanhas das Amazonas. A estatuária, os vasos e os baixo relevos popularizaram suas lutas e as tornaram um símbolo de vigor e de poder. Segundo alguns autores, o mito das Amazonas representaria a época histórica em que o matriarcado reinou na humanidade. Seu declínio, nessa interpretação, pode estar vinculado ao destronamento da divindade suprema feminina e à substituição de um governo de mulheres. O mito também é identificado com a transição do matriarcado para o patriarcado.

O mito das mulheres guerreiras permaneceu ao longo do tempo presente no imaginário e na história de vários povos: gregos, eslavos, germânicos, celtas, hindus, africanos. Nas sagas nórdicas encontramos as Valquírias, que possuíam o poder de decisão da batalha, recolhendo em seus cavalos alados os corpos mortos para conduzi-los ao Valhala, na versão das Edda ou da Volsunga Saga. Destacou-se entre elas a figura lendária de Brunhilda, rainha da Islândia.

Relatos descrevem a presença de batalhões femininos na Irlanda até o século VII, quando a cristianização, de uma certa forma, condicionou as mulheres a abandonar as armas. Reaparecem menções à presença feminina no exército norueguês, quando de sua invasão à Irlanda no século X.

As guerreiras freqüentavam as epopéias de cavalaria dos fins da Idade Média e início do Renascimento, em momentos de convocação para a guerra, como na Reconquista da Península Ibérica, quando a imagem da mulher guerreira foi intensamente recuperada.

Alguns escritores que trataram sobre "mulheres ilustres" incorporaram quase sempre o mito, inclusive em relação a Joana D'Arc. O mito, além de utilizado em relação à mulher guerreira, também esteve vinculado à legitimação do governo feminino, como no caso de Elisabeth I, da Inglaterra e outras rainhas européias. Na literatura, em relatos e em provérbios, a imagem das Amazonas também se manteve presente. Christiane de Pisan, em 1626, se encantava em expor exemplos de antigas mulheres conquistadoras, acrescentando personagens à lenda das Amazonas.

Essa presença das Amazonas na literatura e na iconografia foi reforçada por viajantes europeus que desde o século XVI se referiam com admiração e espanto às guerreiras entre a população da América e da África. Viajantes portugueses do século XVI informavam de Amazonas na Etiópia e, mais ao sul, na Monomotapa (atual Rodésia). Estas, como as do Daomé, eram guerreiras a serviço de um monarca africano, que lhes havia concedido um território no qual viviam sós.

Em 1493, Colombo, imaginando que iria ancorar na Ilha da Mulher, que segundo Marco Polo ficava no Oceano Índico, escreveu aos reis de Espanha que ouvira falar da Ilha do Matrimônio (atual Martinica), onde viviam apenas mulheres e que usavam armaduras de cobre. Elas apareceram também nos relatos de viagem e no Diário da expedição de Fernão de Magalhães, escrito por Antonio Pigafetta:"Também nos contaram que a Ilha Ocolora, abaixo de Java, é habitada exclusivamente por mulheres. Estas são fecundadas pelo vento e quando nasce o bebê, se é macho matam imediatamente, se é fêmea, a criam. E matam todo o homem que se atrever visitar sua ilha."

Já em 1524, Francisco Cortés, a caminho de explorar a costa pacífica do México, levava entre suas instruções a de que ficasse atento às Amazonas, que provavelmente ali viviam escondidas entre as árvores.

No Brasil, mulheres guerreiras de tanta coragem quanto, marcaram histórias e lendas e deram origem ao nome de uma famosa região. Em 1541, após descer o afluente Napo e chegar ao então Mar Dulce, nome que Pinzon dera ao Rio Amazonas, eis que Francisco de Orelhana é atacado por uma tribo de mulheres que, no testemunho de Frei Gaspar de Carvajal, "são muito alvas e altas, com o cabelo muito comprido, entrançado e enrolado na cabeça. São muitos membrudas e andam nuas em pelo, tapadas as suas vergonhas, com os seus arcos e flechas nas mãos, fazendo tanta guerra como dez índios".

Em seu relato, Carvajal narra a seguir que embora abatessem vários índios que eram comandados pelas mulheres e mesmo algumas destas, os espanhóis se viram obrigados a fugir, tendo porém capturado um índio. Este, mais tarde, ao ser interrogado, declarou pertencer a uma tribo cujo chefe, senhor de toda a área (o ataque tinha se dado na foz do Rio Nhamundá), era súdito das mulheres que residiam no interior.


Na qualidade de súditos, obedeciam e pagavam tributos às mulheres guerreiras, que eram acompanhadas pelo chefe Conhori. O prisioneiro, respondendo a várias perguntas do comandante, disse que as mulheres não eram casadas e que sabia existir setenta aldeias delas. Descreveu as casas das mulheres como sendo de pedra e com portas, sendo todas as aldeias bastante vigiadas. Disse ainda que elas pariam mesmo sem ser casadas porque, quando tinham desejo, levavam os homens de tribos vizinhas à força, ficando com eles até emprenharem, quando então os mandavam embora. Quando tinham a criança, se homem, era morto ou então mandavam para que o pai o criasse, se era mulher, com ela ficavam e a menina era educada conforme as suas tradições guerreiras. Descreveu ainda seus hábitos e suas riquezas, pois que tais mulheres possuíam muito ouro e prata.

Outro detalhe importante é que os índios, por desconhecimento da lenda das Amazonas da Capadócia, chamavam as mulheres das tais tribos de Icamiabas, ou "mulheres sem marido".
Diziam os índios que as Icamiabas (ou Amazonas, para os europeus) presenteavam os homens após a cópula com pequenos artefatos semelhantes a sapos entalhados em algum mineral esverdeado, como a pedra de jade (jadeíta) ou a nefrita, por exemplo. O presente era chamado de Muiraquitã.

Isso tudo acontecia durante um ritual dedicado à Lua. Os Muiraquitãs eram pendurados no pescoço do visitante e usados por eles até os próximos encontros sexuais. A tribo de mulheres sem maridos nunca foi encontrada por pesquisadores, mas o mesmo não se pode dizer dos Muiraquitãs. Os pequenos adornos que seriam utilizados nos rituais de fertilidade têm sido encontrados com freqüência na região do Baixo rio Amazonas, justamente onde Francisco de Orellana diz ter travado uma batalha com as lendárias mulheres.

Diz-se que quem encontra uma pedra de Muiraquitã terá sorte no amor e força contra as doenças. Até hoje, muitos artesãos confeccionam peças similares para vendê-las em feiras de artesanatos da região. Os verdadeiros Muiraquitãs estão em museus ou em coleções particulares.

O encontro e as escaramuças à foz do Rio Nhamundá (hoje limite entre os estados do Pará e do Amazonas) com os índios e/ou as índias somados à descrição do prisioneiro foi suficiente para que houvesse associação com as Amazonas da Capadócia. O rio, até então mar Dulce, passa a ser chamado Rio de las Amazonas (Rio das Amazonas) e finalmente Rio Amazonas. A narração feita por frei Gaspar de Carvajal teve imensa repercussão na Europa e correu mundo atemorizando uns e surpreendendo outros, mas maravilhando a todos os que ouviam falar da terra das mulheres guerreiras.

Depois de longa viagem pelo Amazonas, De La Condamine (1743-44) propagou a lenda das Amazonas americanas pela Europa. Segundo ele, essas mulheres conheciam os segredos das pedras-verdes, e estavam organizadas numa república. Alexandre von Humboldt (1799-1804) também recuperou o mito, levantando a possibilidade de as mulheres de uma ou de outra tribo, fartas da opressiva escravidão em que os homens as mantinham, terem fugido para as selvas, se reunido em hordas e adotado pouco a pouco, para a manutenção de sua independência, um modo de vida belicoso. Assim, a persistência do tema da mulher guerreira e poderosa continua a manter o fascínio e a instigar pesquisadores de diferentes períodos.

Atualmente, pode-se encontrar com mais facilidade mulheres que integram importantes papéis nos meios marciais. Com a crescente violência urbana, houve o aumento do número de aprendizes do sexo feminino em estudos de autodefesa, constituindo uma soma significante em academias e escolas tradicionais. Também no esporte a participação feminina fica visível, fato que encoraja mulheres de todo o mundo a superarem seus limites e a buscarem uma forma de quebrar a vulnerabilidade imposta à figura feminina por tanto tempo. Além das artes marciais, muitas mulheres podem ser vistas integrando as Forças Armadas nas diferentes partes do planeta, restituindo um papel de força, antes atribuídos às mulheres samurai, amazonas e outras mulheres guerreiras da nossa história.

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