terça-feira, 15 de junho de 2010

A HISTÓRIA DA KOGA-RYU - PARTE 3



Os ninjas, no passado, entravam no território inimigo para mapear e inspecionar coisas. O Bansenshukai lista coisas como estimar a altura das edificações e tamanho de coisas como rios e fossos, através de um tipo de geometria. A distância de um estrada poderia ser estimada através da contagem dos passos para posterior conversão para medidas mais convencionais. Um ninja poderia andar através de uma província e voltar com um mapa bastante apurado da área e inspecionar os castelos através de invasões furtivas. Contudo, o metsuke do período Edo mantive as inspeções tomando notas enquanto trabalhavam e abertamente enviavam mapas e coisas parecidas que reuniam para o shogunato. Todos os trabalhos em fortificações tinham que ser aprovados e monitorados por representantes do shogun e eles tomavam notas bem detalhadas quando qualquer inspeção ou construção estava em curso. Naquela ocasião, o metsuke cumpria a função de agente investigativo. Mas isso era muito claro para todos, não havia dissimulações. Algumas vezes o shogunato desejava destruir algum clã problemático e precisava de uma desculpa fornecida pelo metsuke para tal. Mas, mais frequentemente o shogunato temia o resultado de um grande número de samurais subtamente relegados ao status de ronin de modo que comumente o shogunato trabalhava com os anciões dos clãs para perseguir e corrigir problemas antes que esses ocorressem. Em alguns casos, o que era bom para um clã não era o melhor para o senhor no poder e as vezes os clãs poderiam forçar o seu próprio daimyo corrupto a abdicar e empossar seu herdeiro.


De acordo com os registros, algumas vezes os ninjas que permaneceram em Iga ainda eram requisitados para ajudar a analisar o humor dos camponeses. Os Tokugawa temiam enormemente a idéia de uma revolta campesina. Várias ocorreram durante o período Edo. O ninja de Iga não mais entrava em castelos como costumava fazer, mas serviam como uma forma de descobrir o que os camponeses estavam pensando. Se um agente disfarçado de vendedor ambulante reportava que em toda parada de sua jornada ele ouvia histórias ruins sobre o daimyo local, então o shogunato sabia que eles tinham uma revolta em potencial em suas mãos.


Algumas tradições de Koga não fizeram parte de Tokugawa, mas ao invés disso empenharam seus serviços a outros senhores e mantiveram suas habilidades vivas e fora da influência de Edo. Estas escolas cessaram de serem conhecidas como Koga ryu e seguiram o exemplo das muitas escolas de Iga que durante a diáspora se apoderaram de nomes baseados no senhor que eles serviam ou nos seus ancestrais de tal forma que eles realmente deixaram de ser classificados como membros do Koga ryu. Isso se estendeu por décadas, séculos até. A necessidade de entrar no território inimigo e completar missões de espionagem e sabotagem foi efetivamente banida de Koga. Seu status era considerável no shogunato, mas pessoas como Hichiro Okuse são claras quando declaram que Koga já não era mais ninja no fim da era Edo. Lições que foram aprendidas com sangue foram perdidas e eles se tornaram um pouco mais que guardas de segurança e burocratas.


Quando o comodoro Perry navegou pelo porto de Edo com a intenção de “abrir” o Japão para o comércio, foi um ninja de Iga, de nome Sawamura Jinsaburo Yasusuke, que foi chamado para reunir informações sobre ele. Registros coletados no primeiro ano da nova era Meiji, listam grandes números desses ninja de Iga agrupados por suas vilas. Nenhum registro similar existia sobre a região de Koga.


Com Perry, veio uma grande mudança. Muitos sistemas de combate agora já não tinham nenhum propósito de existência para a moderna era e foram perdidos. Outros viraram esporte. Alguns viraram uma questão de tradição e outros foram mantidos vivos por seus guardiões como uma ligação com o passado marcial do Japão. O ninja que podia realmente se chamar assim, pertencia agora a uma era passada e não tinha mais lugar no novo mundo. O ninja havia principalmente espionado num outro Japão, mas no moderno mundo o Japão tinha que se preocupar com novas línguas e culturas que o ancestral ninja nunca havia sequer imaginado.


Anos depois, um homem chamado Fujita Seiko anunciou que ele era o último grande mestre de ninjutsu Koga ryu. Fujita era um home fascinante e sua história é assunto para um grande debate. Há muitas questões, assim como a validade de sua história, mas não há dúvida quanto a ele ser o último japonês que clamou ensinar o Koga ryu.


De acordo com Fujita, seu avô foi seu professor de ninjutsu. O jovem Fujita procurou aventuras, fugindo e se juntando aos Yamabushi em sua pereguinação. Isso pode parecer estranho, mas os Yamabushi pregavam uma religião onde eles deveriam exercitar praticas os atos religiosos em lugares sagrados, isso permitia que eles guardassem “energia sagrada” que eles podiam transportar para outros lugares a medida que viajavam em suas peregrinações, em troca de doações. Uma parte indispensável dos seus serviços era a demonstração de seus poderes sagrados a aqueles que consideravam fazer-lhes doações. Como em encontros revivalistas, esses milagres eram bastante impressionantes. Andando em brasas, subindo em escadas feitas de espadas e espetando a si mesmos com muitas agulhas eram algumas das proezas praticadas. Ainda, como alguns encontros revivalistas americanos, alguns dos praticantes eram melhores em ser “impressionante” que sagrados. Mas era um grande espetáculo. Em resumo, para um jovem garoto daquele tempo, era o equivalente próximo de se fugir para se juntar ao circo.


Quando Fujita foi arrastado de volta aos seus pais, seu avô fez com ele um acordo. Ele iria lhe ensinar ninjutsu se prometesse que não mais fugiria. Fujita concordou e seu treino começou. Infelizmente isso aconteceu apenas alguns anos antes da morte de sue avô. Fujita admitia que havia muitas coisas que ele não havia tido chance de aprende com seu avô e mais tarde estudaria inúmeros textos sobre ninjutsu, assim como teria voltado a estudar com os yamabushi para prosseguir seus estudos. O problema com a história de Fujita é que há muito pouco para provar o que ele dizia.


Uma vez que seu avô já havia decidido deixar sua tradição morrer, ele destruíra seus pergaminhos antes de pegar Fujita como estudante. Isso é razoável mas permanece a falta de documentação. Também, como declarado, por volta do fim do período Edo os Koga perderam as suas habilidades de ninjutsu. E também resta a questão de o quão confiável era seu avô. Pais mentem para as crianças, isso é um fato. E o avô, desesperado por manter o neto longe da fuga pode ter inventado uma historia para mantê-lo ocupado. O treinamento que Fujita disse ter recebido do avô levanta uma série de questões. O tipo de treinamento que Fujita mais tarde relatou, era aquele que quase todo tipo de artista marcial, sem nenhum treino específico em ninjutsu, poderia relatar. Ele aprendeu a controlar sua respiração, aumentar sua resistência, andar, correr grandes distancias e endurecer suar mãos. Não há nenhuma menção a técnicas de furtividade. Claro, muitos dos exercícios fundamentais acerca da furtividade são aqueles que testam a paciência do estudante. Esta não é uma qualidade pela qual os garotos são conhecidos. Fujita mostrava ainda menos paciência que a maioria dos garotos de sua idade.


Alguns aspectos do treinamento do ninjutsu requerem corpos altamente desenvolvidos e flexíveis. Fujita mal teve a chance de desenvolver tal corpo antes de seu avô morrer. A despeito disso tudo, há uma certa nesga de verdade sobre a historia de Fujita. Sem considerar se o seu avô era ou não de fato um mestre do Koga ryu ninjutsu, Fujita provavelmente passou por algum tipo de treinamento com ele. Se ele tivesse inventado a história, ele provavelmente a teria embelezado e feito parecer que teria estudado mais do que realmente estudou e não teria mencionado a adição de conhecimentos através de fontes externas. Ele parecia realmente ter a crença de ter sido disciplinado no Koga ryu ninjutsu e diferente de outros auto-proclamados mestres de Koga ryu ninjutsu, sua gana para o treinamento e trabalho é clara. Fujita tinha habilidades incríveis de resistência e força. Ele podia caminhar com o peito do pé, uma habilidade que muitos estudantes de yoga não podem copiar. E ele reuniu uma enorme biblioteca de livros e trabalhos históricos na sua procura pelo ninjutsu para adicionar ao que seu avô o teria ensinado.


No ocidente, muitas pessoas clamam ser mestres de Koga ryu para que tenha os holofotes sobre eles sem muito esforço de sua parte. Fujita também amava a atenção do publico, mas era bastante solícito ao depositar seu tempo e esforço para ser merecedor disso. Antes de ser conhecido como um mestre de ninjutsu, ele iniciou sua própria na qual ele fez várias previsões. Ele usou suas experiências com os yamabushi para o bem naquela época. Depois ele viria a admitir que seus trajes e comportamentos nesse tempo eram realmente bizarros, mas disse também que naquele estágio de sua vida, sempre que abria a boca tinha alguém lhe jogando grandes somas de dinheiro. Mas há a questão de que se o que ele conhecia era realmente ninjutsu. Ele deu vários shows por ele rotulado como ninjutsu, mas que consistiam mais em proezas de resistência que as habilidades furtivas pelas quais os ninjas são comumente conhecidos. Ele fazia coisas como bater em si mesmo com vergalhões de ferro, comer coisas como copos e espetar seu corpo com agulhas. Tobe Shinjuro, um pesquisador do ninjutsu e autor de muitos livros sobre o assunto, viu uma de suas performances e saiu balançando a cabeça e se perguntando: “Isso é ninjutsu?” Muitas coisas que ele fazia eram similares ao que os yamabushi faziam durante os sermões. Em um programa de televisão, certa vez, ele foi perguntado se poderia fazer algo como se esconder em certas edificações ou algo parecido. Ele disse que podia mas que se recusava demonstrar em cena pois faze-lo poderia expor suas técnicas, que é algo que um ninja não deve fazer nunca. Nawa Yumio, um notável pesquisador e autor de livros sobre ninjutsu, realmente conheceu Fujita. Ele disse que nunca soube de Fujita fazendo nada que pudesse ser classificado como ninjutsu. No seu livro, Ninjutsu no Kenkyu, Nawa nunca se refere a Fujita como o líder do Koga ryu, ao invés disso, refere-se a ele apenas como um pesquisador. No mesmo livro ele se refere a Hatsumi Masaaki como o líder do Togakure-ryu ninpo.


Fujita realmente reuniu muitos livros e pergaminhos sobre o assunto. O seu nível de pesquisa era incrível. Ele estava escrevendo vários grandes livros que descreviam e explicavam várias seções de trabalhos como o Bansenshukai. De fato, esse trabalho é a base para quase tudo o que ele ensinava. Mais tarde ele ensinou várias coisas que podem ser ligados a trabalhos históricos como esse, mas não há registro nem testemunha dele demonstrando nada que pudesse ser chamado de ninjutsu e que pudesse ter vindo apenas de um ensinamento pessoal. Ele ensinou e comentou coisas como estimativa de distância, previsão do tempo e estratégia, mas nada físico. Quando alguém olha para trabalhos de kenjutsu de antes da era moderna, não acha quase nenhuma referencia de como se segurar numa espada. Isso porque era uma coisa ensinada no dojo antes dos livros serem disponibilizados aos alunos. São esses pequenos tipos de coisas que faltam nos trabalhos de Fujita. Nakashima Atsumi é um autor de livros sobre ninjutsu e membro do grupo de pesquisa sobre budo começado pelo próprio Fujita e em seu trabalho, “Ninjutsu Hiden no Sho”, ele declarou que não há nenhum exemplo das técnicas de luta ninja de Fujita. Se alguém deveria saber disso, esses seriam Nawa e Nakashima.


O registro de Fujita durante a guerra foi deturpado no ocidente. Alguns dizem coisas como que ele seria um assassino do Japão e teria matado por volta de 200 pessoas. Isto é simplesmente uma inverdade. Assassinato é contra a convenção de Genebra e os aliados foram especialmente persistentes na perseguição a criminosos de guerra. O esquadrão assassino dos alemães, enviado para matar o major de Aachen acabou indo a julgamento, porém Fujita nunca foi preso ou investigado. Sua maior contribuição ao esforço de guerra foi ensinar seções de estratégia extraídas do bansenshukai em algumas academias militares. No dia em que a guerra terminou, ele continuava a salvo no Japão.


Depois da guerra, Fujita continuou fiel em seu coração, aos velhos ideais que levaram o Japão à guerra. Quando os aliados, em primeira instância, baniram a pratica das artes marciais que ele ensinava, como forma de destruir a cultura do Japão. Ele resistiu reunindo o máximo de informação que ele pode sobre artes marciais japonesas e encorajando aas outros a praticá-las. Mais tarde ele viria a ser muito influente na formação e administração de muitas organizações de artes marcias. Ele mesmo havia aprendido uma forma de Kempo antes da guerra. Ele aprendeu outras artes e ajudou a ensinar algumas delas, mas não há registro no Japão dele ensinando o estilo Koga de ninjutsu. Ele até escreveu vários livros sobre diferentes artes marciais como Shinden Muso ryu jojutsu, diferentes estilos de hojojutsu (a arte de amarrar um prisioneiro) e mesmo um livro sobre shurikenjutsu. Neste último ele dá vários exemplos de empunhaduras para lançamento de diferentes escolas, mas falha ao demostrar alguma proveniente do Koga ryu ninjutsu. Na comunidade das artes marciais do Japão, Fujita ainda é lembrado com reverência. Ele foi muito influente no salvamento de muitas artes e foi de grande ajuda na formação de muitas organizações que existem até hoje. É estranho que poucos pesquisadores do ninjutsu sérios peguem ele como fonte segura da área, mas suas glórias são cantadas no mundo das artes marciais. Para muitos artistas marciais no Japão que nunca olharam mais de perto para a história dos ninjas, não há razão para não acreditar que ele tenha sido o último mestre do Koga ryu. Ele tinha habilidades e não tinha nenhuma necessidade de contar com aclamações acerca do ninjutsu, então há pouca razão para se duvidar deles, mas há problemas quando se olha com mais cuidado.


Tragicamente, Fujita morreu de repente e não deixou sucessores do seu estilo de ninjutsu. Não há ninguém no Japão que clama ter aprendido alguma habilidade física de furtividade . Muitos dos livros que ele levou muito tempo para reunir, podem ser vistos hoje no museu do ninjutsu em Ueno. Ao invés de terem sidos passados para um novo mestre de Koga ryu, os livros jazem em suas vitrines de exibição sendo apenas ocasionalmente emprestados a pesquisadores. Hoje, muitas pessoas tentam reclamar pertencer ao Koga ryu. Alguns tentam através de histórias bizarras, mas alguns outros dizem ter sido ensinados por Fujita Seiko ou ter tido como professor um pupilo de Fujita. Seus clamores não tem crédito algum no Japão. O Bugei Ryuha Daijiten lista a escola de Fujita como um estilo Koga e mesmo se refere a ela pelo nome apropriado de Koga-ryu XXXX-há. Ninguém que eu tenha visto no ocidente reclamando ser da mesma escola clamou o nome próprio do “–ha” atribuído a Fujita. Seus livros sobre a arte são grandes e interessantes a qualquer um com verdadeira seriedade em pesquisa do ninjutsu, mas, pondo de lado o que pode ser achado nesses livros, muito pouco além em sua arte parece ter sobrevivido.


Para encerrar eu gostaria de me desculpar por algumas lacunas que eu tenha deixado nesse trabalho. Considerando o montante de fraudes que hoje desejam lucrar com o nome de Koga e a arte de Fujita, eu tentei ser o mais informativo possível sem dar informações que pudessem vir a beneficiar a alguns no sentido de criar histórias para enganar os desavisados. Dessa forma eu não dei pedaços de informações como o nome em particular do “–ha” de Fujita ensinaria, os nomes próprios pelo qual os ninjas Iga sobreviventes eram conhecidos e nem os nomes de alguns ryuha que se originaram em koga. Essas pequenas informações são facilmente encontradas em fontes Japonesas mas eu estou razoavelmente convencido que a maioria das pessoas que querem fazer um rápido pulo para a fama através do uso de nomes Koga não terão o cuidado de se esforçar a aprender a língua japonesa e fazer a pesquisa apropriada.




Algumas das fontes que me ajudaram a fazer esse trabalho:


FUJITA, Seiko – Doron Doron, Saigo no Ninja. Nihon Shuhousha. Tokyo 1958
FUJITA, Seiko – Ninjutsu Hiroku. Soushinsha, Tokio 1937
SHIMIZU, Yukata – Fujita Seiko – Ninpo no Kyou to Jitsu. Hiden Koryu Bujutsu n °11, páginas 12 em diante.
ISHIKAWA, Masatomo – Shinobi no Sato no Kiroku. Souiyousha, Tokyo 1982
NAWA, Yumio – Ninjutsu no Kenkyu. Japan Publications Inc. Tokyo, 1972
OKUSE, Hichiro – Ninjutsu, Sono Rekishi to Ninja. Shinjibutsu Juraisha, 1995 (Reedição)
TOBE, Shinjuro – Ninja, Sengoku Kage no Gundan. PHP Business library, Tokyo 1995
WATATANI, Kiyoshi – Bugei Ryuha Hyakusen. Akita Shoten, Tokyo 1972




Tradução de Gustavo Fráguas

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